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em um terrivel e espantoso sapo, que logo lhe saltou no rosto, aferrando-lhe os dois pés na barba e as mãos na testa, não havia quem o pudesse desapegar; foi um homem com uma tenaz pegando d'elle para o tirar, o sapo o atravessou com os olhos, tão terrivel e peçonhentamente, que logo cahiu no chão, nem houve quem pudesse dar remedio a tal caso.

(Francisco Saraiva de Sousa, Baculo Pastoral de Flôres de Exemplos, t. I, p. 87. Ed. 1657.)




171. OS PODERES DO OURO

Houve em Italia, e em um dos mais conhecidos logares d'ella, um honrado pai de familias, nobilissimo por geração, rico de bens procedidos da herança e nobreza antiga de seus passados, dotado de muitas partes e graças naturaes, e tão liberal do que possuia, que mais parecia dispenseiro das riquezas, que carcereiro d'ellas. Teve este em sua mocidade um filho tão industrioso e esperto nos negocios da mercancia, que ajuntou em poucos annos grande copia de dinheiro, o qual elle guardava com tão solicito cuidado, como costumam os que com cobiça e trabalhos o adquiriram, e era notavel espanto aos naturaes, verem em um velho a largueza e liberalidade de mancebo, e em o filho a avareza e tenacidade de velho. O pae, que o via responder tão mal a suas inclinações, e que já com a edade e continuação de gastar largo estava menos rico, muitas vezes lhe dizia, e aconselhava com brandura, que conservasse com o que ganhára, a honra que tinha de seus passados, e não degenerasse d'elles por seguir a vileza do interesse: Que usasse das riquezas como nobre, e favorecesse a velhice de quem o criára, e honrasse aos pequenos irmãos que tinha; que