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O pae pôz o açaimo ao rapaz que se tinha tornado em cão, e foi com elle para a caça. Apanhou muitos coelhos, trazia-os dependurados no pau e o cão atraz d’elle. O mercador quando o viu passar pela porta perguntou:

— Oh homem! só com esse cão apanhaste tanta caça?

— Sim senhor.

— Hasde-me vender o cão.

— Só se o senhor me der cem mil reis.

— Pois sim; está vendido o cão.

Contou o dinheiro; lá ficou o cão e o homem foi-se embora. Vae o mercador caçar com o seu cão por uns cerrados; correndo atraz de um coelho, o cão metteu-se por um vallado de silvas, e foi sair por outra banda; tirou com as unhas o açaimo, e ficou outra vez gente. O mercador fartou-se de chamar e de esperar pelo cão. O rapaz veiu passar pelo pé d’elle, que lhe perguntou:

— Viu você por ahi um cão de caça?

— Não vi, mas senti mecher no vallado que é muito fundo; talvez seja o bicho, que não póde de lá sair.

O certo foi que o mercador perdeu o cão e o dinheiro, e foi-se embora sem nada. O rapaz disse ao pae:

— Agora hade-me comprar um freio para eu me tornar em cavallo.

O pae assim fez; correu com o cavallo todas as ruas. O Mestre das Artes de Paris, que o tinha tido em casa logo conheceu o cavallo e fez com que o homem lh’o vendesse por todo o preço. Não olhou a dinheiro, e tomou conta do cavallo, e metteu-o na cavalheiriça sem lhe tirar o freio, a ponto de elle não poder comer nada.

O Mestre das Artes tinha tres filhas e recommendou-lhes que não fossem á cavalheiriça. Logo que o pae saiu ellas disseram umas para as outras:

— Vamos vêr o que tem a cavalheiriça.

Foram e viram um cavallo lindo, muito bem feito, e viram que elle não podia comer nada.

— Coitadinho! tira-se-lhe o freio a ver se come.