Página:Dom Casmurro.djvu/196

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ersava com a minha amiga ao pé da janella. Corri ao logar, elle fugiu; avancei para Capitú, mas não estava só, tinha o pae ao pé de si, enxugando os olhos e mirando um triste bilhete de loteria. Não me parecendo isto claro, ia pedir a explicação, quando elle de si mesmo a deu; o peralta fôra levar-lhe a lista dos premios da loteria, e o bilhete sairá branco. Tinha o numero 4004. Disse-me que esta symelria de algarismos era mysteriosa e bella, e provavelmente a roda andára mal; era impossivel que não devesse ter a sorte grande. Emquanto elle falava, Capitú dava-me com os olhos todas as sortes grandes e pequenas. A maior destas devia ser dada com a bocca. E aqui entra a segunda parte do sonho. Padua desappareceu, como as suas esperanças do bilhete. Capitú inclinou-se para fóra, eu relancei do olhos pela rua, estava deserta. Peguei-lhe nas mãos, resmunguei não sei que palavras, e accordei sósinho no dormitorio.

O interesse do que acabas de ler não está na materia do sonho, mas nos esforços que fiz para ver se dormia novamente e pegava nelle outra vez. Nunca dos nuncas poderás saber a energia e obstinação que empreguei em fechar os olhos, apertal-os bem, esquecer tudo para dormir, mas não dormia. Esse mesmo trabalho fez-me perder o somno até á madrugada. Sobre a madrugada, consegui concilial-o, mas então nem peraltas, nem bilhetes de loteria, nem sortes grandes ou pequenas,— nada dos nadas veiu ter commigo. Não sonhei mais aquella noite, e dei mal as licções daquelle dia.

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