Página:Dom Casmurro.djvu/198

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banal e nova que eu não quizera pôr aqui, e só provisoriamente a escrevo.

Antes de concluir este capitulo, fui á janella indagar da noite por que razão os sonhos hão de ser assim tão tenues que se esgarçam ao menor abrir de olhos ou voltar de corpo, e não continuam mais. A noite não me respondeu logo. Estava deliciosamente bella, os morros pallejavamde luar e o espaço morria de silencio. Como eu insistisse, declarou-me que os sonhos já não pertencem á sua jurisdicção. Quando elles moravam na ilha que Luciano lhes deu, onde ella tinha o seu palácio, e donde os fazia sair com as suas caras de varia feição, dar-me-hia explicações possiveis. Mas os tempos mudaram tudo. Os sonhos antigos foram aposentados, e os modernos moram no cerebro da pessoa. Estes, ainda que quizessem imitar os outros, não poderiam fazel-o; a ilha dos sonhos, como a dos amores, como todas as ilhas de todos os mares, são agora objecto da ambição e da rivalidade da Europa e dos Estados- Unidos.

Era uma allusão ás Fillipinas. Pois que não amo a politica, e ainda menos a politica internacional, fechei a janella e vim acabar este capitulo para ir dormir. Não peço agora os sonhos de Luciano, nem outros, filhos da memoria ou da digestão; basta-me um somno quieto e apagado. De manhã, com a fresca, irei dizendo o mais da minha historia e suas pessoas.