Página:Dom Casmurro.djvu/223

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quando a trombeta soou devéras, e Ashaverus bradou pela terceira vez que era a do archanjo, um gaiato da platéa corrigiu cá debaixo : « Não, senhor, é o piston do archanjo! »

Assim se explicam a minha estada debaixo da janella de Capitú e a passagem de um cavalleiro, um dandy, como então diziamos. Montava um bello cavallo alazão, firme na sella, rédea na mão esquerda, a direita á cinta, botas de verniz, figura e postura esbeltas: a cara não me era desconhecida. Tinham passado outros, e ainda outros viriam atraz; todos iam ás suas namoradas. Era uso do tempo namorar a cavallo. Relê Alencar : « Porque um estudante (dizia um dos seus personagens de theatro de 1858) não póde estar sem estas duas cousas, um cavallo e uma namorada. » Relê Alvares de Azevedo. Uma das suas poesias é destinada a contar (1851) que residia em Calumby, e, para ver a namorada no Cattete, alugára um cavallo por trez mil reis... Trez mil reis! tudo se perde na noite dos tempos!

Ora, o dandy do cavallo baio não passou como os outros; era a trombeta do juizo final e soou a tempo; assim faz o Destino, que é o seu propio contra-regra. O cavalleiro não se contentou de ir andando, mas voltou a cabeça para o nosso lado, o lado de Capitú, e olhou para Capitú, e Capitú para elle; o cavallo andava, a cabeça do homem deixava-se ir voltando para traz. Tal foi o segundo dente de ciume que me mordeu. A rigor, era natural admirar as bellas figuras; mas aquelle sujeito c