Página:Dom Casmurro.djvu/337

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toria. Não é que Escobar ainda lá more nem sequer viva; morreu pouco depois, por um modo que hei de contar. Emquanto viveu, uma vez que estavamos tão proximos, tinhamos por assim dizer uma só casa, eu vivia na delle, elle na minha, e o pedaço de praia entre a Gloria e o Flamengo era como um caminho de uso proprio e particular. Fazia-me pensar nas duas casas de Matacavallos, com o seu muro de permeio.

Um historiador da nossa lingua, creio que João de Barros, põe na boca[sic] de um rei barbaro algumas palavras mansas, quando os portuguezes lhe propunham estabelecer alli ao pé uma fortaleza; dizia o rei que os bons amigos deviam ficar longe uns dos outros, não perto, para se não zangarem como as águas do mar que batiam furiosas no rochedo que elles viam dalli. Que a sombra do escriptor me perdôe, se eu duvido que o rei dissesse tal palavra nem que ella seja verdadeira. Provavelmente foi o mesmo escriptor que a inventou para adornar o texto, e não fez mal, porque é bonita; realmente, é bonita. Eu creio que o mar então batia na pedra, como é seu costume, desde Ullysses e antes. Agora que a comparação seja verdadeira é que não. Seguramente ha inimigos contiguos, mas tambem ha amigos de perto e do peito. E o escriptor esquecia (salvo se ainda não era do seu tempo) esquecia o adagio : longe dos olhos, longe do coração. Nós não podiamos ter os corações agora mais perto. As nossas mulheres viviam na casa uma da outra, nós passavamos as noites cá ou lá conversando, jogando