Página:Grammatica Analytica da Lingua Portugueza.pdf/270

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tante analogia com as fórmas latinas ; e, se, desprezando a derivação, escrevermos como hoje pronunciamos, não só perderemos inteiramente a filiação das vozes e o meio o mais certo de conhecer o sentido primitivo d’ellas, recorrendo á fonte de que emanão, mas teremos de mudar a orthographia ao passo que mudar a pronuncia, como já por tantas vezes o fizerão os nossos maiores. E sendo certo que em menos de hum seculo experimenta toda a lingua viva notaveis mudanças na pronunciação, segue-se que adoptando esta por base da orthographia, tomaremos por guia o cego, arbitrario e variavel uso, desprezando a razão.

Muitos homens de sizo e de instrucção tem proposto em Portugal, em França, e em outras nações, tomar por base da orthographia a pronuncia, não empregando letras inuteis, e dando a cada caracter valores constantes, ou pelo menos, dando hum valor invariavel ás combinações de letras indispensaveis para figurar sons que não tem caracteres simples appropriados. Este systema seria o unico acertado em huma lingua primitiva, á qual se quizesse adaptar hum alphabeto ou serie de letras figurativas dos sons da linguagem fallada ; mas em dialectos derivados não só de hum, mas de varios idiomas, hum tal systema he absurdo e disparatado, porque a par da recta escriptura, isto he, d'aquella que sendo conforme á derivação, o he tambem á pronuncia, figurarão infinitos vocabulos estranhamente escriptos, conformes sim á lingua fallada, mas que offerecerão á vista conformidade com outros homophonos cujo sentido he totalmente diverso, por procederem de radicaes