Página:Histórias diversas (Mml obr0050).pdf/16

Wikisource, a biblioteca livre
18
MONTEIRO LOBATO

— Judiando, como?

— Quer fazer uma injeção nele.

— Ah, meu Deus — exclamou Dona Benta. — Lá está Emília reinando com a minha seringa. Vá correndo, Nastácia, e tome-lhe a seringa, e diga-lhe que se mexer outra vez naquilo eu a tranco dentro da pitangueira.

A negra lá se foi, pleque, pleque com os chinelos, a matutar consigo mesma: "Sinhá, coitada, parece que já está caducando. Prender Emilia na pitangueira, como se árvore fosse quarto escuro. Onde já se viu isso?"

Depois daquela expansão de carinho com a neta, Dona Benta continuou a falar dos mimos que havia em Shakespeare e citou a Rainha Mabe que aparece no drama "ROMEU E JULIETA".

— É outro primor de leveza e graça — disse ela — mas teve de interromper-se porque tia Nastácia reapareceu puxando Emília.

— Está aqui a criminosa. Não sei como não quebrou a sua seringa, Sinhá — e entregou a Dona Benta a seringa com a qual Emilia estivera reinando. Dona Benta guardou-a na cesta de costura.

— Injeção de que estava fazendo no Visconde, Emilia?

— De vitaminas. Ele anda muito murcho.

— Mas que droga ia usar?

— Uma que descobri...

Narizinho interveio.

— Deixe-a, vovó. São drogas faz-de-conta. Continue a história da Rainha Mabe.

Dona Benta continuou:

— Quem fala na Rainha Mabe, em "ROMEU E JULIETA", é o personagem de nome Mercúrio. Diz para Romeu: "Oh, bem vejo que a Rainha Mabe te visitou esta noite!" É a pequenina fada dos sonhos. Tem o tamanho duma água-marinha de anel e numa pequeniníssima carruagem costuma passear pelo nariz dos que dormem bons sonos. As rodas desse carrinho têm os raios feitos de cambitos de moscas; o toldo é de asa de cigarra; as rédeas são tecidas de teia de aranha; e os arreios, feitos de