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MONTEIRO LOBATO
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o bafo quente das galinhas e o outro com um poético cheiro de musgos úmidos.

— Isso, o quintal. E o jardim?

— O jardim era apenas um jardinzinho quase que só dessas flores antigas que ninguém vê nos jardins modernos, como sejam esporinhas, damas-entre-verdes, periquito, zinias singelas... Cada pessoa da casa tinha o seu canteiro no qual plantava o que queria. O de Nastácia começou muito bem, com cravinas, rosas e dálias, mas acabou transformado numa hortinha de coentro, mostarda etc. e também de plantas medicinais, erva-doce. losna, mentruz-de-sapo, quebra-pedra, manjericão... Emília caçoava: "Isso nunca foi canteiro — é botica!"

O canteiro de Narizinho era o mais bem tratado, porque Narizinho sempre fora muito prestimosa e ordeira. Dava gosto ver o bem arrumadinho de sua cômoda, com cada coisa no seu lugar dentro das gavetas. O mesmo ali no jardim. Nunca ninguém viu um matinho. nem folhas secas. nem caramujos em seu canteiro, nem nada que não fossem pés de flores tão bem tratados que até pareciam plantas de exposição.

O canteiro do Visconde era apenas experimental, coisa mesmo de sábio. Tempo houve em que só havia ali zinias — a Zinnia elegans, a menos elegante de todas as flores.

— São umas perfeitas tontas! — havia dito certa vez Narizinho. — Nunca acertam a mão, nem na forma, nem na cor. A cor das zínias é sempre atrapalhada.

— Como atrapalhada?

— Não é bem uma cor certa — é uma "entrecor". Fica no meio, não vai até ao fim. O cor-de-rosa das zínias não é bem cor-de-rosa, nem vermelho, nem carmim, não é bem coisa nenhuma. A zinia parece uma flor que ainda está apalpando, procurando o que ser — e não sabe o que quer.

E colhendo uma para amostra:

— Olhe esta, por exemplo. As pétalas não têm cor do lado de baixo, só no de cima; não são como as daquele cravo ali, que têm a mesmissima cor no direito e no avesso. As pétalas das zinias têm direito e avesso, como certas chitas ordinárias.