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MONTEIRO LOBATO

Todos se agitam, menos Dona Benta, que não consegue despegar-se da cadeira, embora o tente. Pedrinho empurra um móvel para escorar a porta. "Ajuda, garotada, que o negócio é sério". Emília ajuda, levando a vassoura para fazer peso na porta. Narizinho reflete, de mão no queixo. Nisto ouve-se um arranhar de tábua. É o lobo arranhando a porta.

EMÍLIA — Pronto! Está aí ele arranhando a porta e quero ver
agora como vocês se arranjam. (Para Dona Benta.) E a
senhora que é tão sabida, de tantos livros e dicionários que
leu, quero ver como se salva. Veja no seu dicionário, que
ensina tudo quanto se quer, se ensina jeitos de espantar lobo,
Eu não preciso ir ao dicionário. Sei um jeito que é tiro e
queda.

NARIZINHO — Então diga logo. Tenha dó da aflição de vovó.

PEDRINHO(Fazendo muxoxo.) — Não dou um vintém pelo
tal jeito.

EMÍLIA(Muito lampeira.) — Só direi se Narizinho me der
uma coisa...

NARIZINHO — Já sei. Quer que eu dê a minha coleção de po-
tinhos de barro para você botar no museu, não é? Dou,
sim, diga o jeito agora.

EMÍLIA(Mais lampeira ainda.) — Todos são testemunhas de
que Narizinho me deu os potinhos, não é assim? Muito
que bem. Nesse caso direi que meu rinoceronte já está avisado
de tudo e logo que eu der um assobio ele investe contra o
lobo e o espeta, bem espetado, no seu chifre pontudo.

DONA BENTA — Pois dê logo esse assobio, Emília, e não nos ator-
mente mais. Não seja tão mazinha.

EMÍLIA — Esperem. Para dar o assobio eu quero que Pedrinho
me dê aquele...

PEDRINHO — O cavalinho sem rabo, não é? Pois não dou. Não
tenho medo de lobos. Você é uma cigana, mas comigo não
tira farinha.

O lobo arranha com mais força a porta e dá uns roncos terríveis, pondo-se em seguida a uivar. Pedrinho amedrontou-se.