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e da nostalgia, da melancolia amorosa que tanto o distingue, e que em Gonçalves Dias, embora ardente e voluptuosa, não atinge ainda a luxúria, o lirismo destes poetas tem já desenganadamente o tom que separa o lirismo brasileiro do português. Nada o prova melhor que a comparação destes poetas com os seus contemporâneos portugueses João de Lemos, Soares de Passos, Mendes Leal, Serpa Pimentel, aos quais pode afirmar-se que ficaram de todo estranhos os nossos.

Afora em alguns poetas da Renascença portuguesa como Camões, o lirismo português não foi jamais casto, antes sempre mais luxurioso que voluptuoso. O lirismo brasileiro, porém, exagera e piora esta feição. Desde a segunda geração romântica -o da primeira pecara mesmo por demasiado continente- entra a ser desenfreadamente erótico, como o de um povo onde o amor nasceu entre raças desiguais e inimigas e portanto entre violências e brutezas de apetites e carnalidades, e um povo onde a fácil e franca mistura de uma gente européia em decadência com raças inferiores e bárbaras devia produzir um mestiço excessivamente sensual, em todas as acepções do termo. A influência particular portuguesa que acaso se descobre nesta geração é a de Garrett. Mas o tom popular que Garrett restituíra à poesia portuguesa e que há na destes poetas, apenas porventura lhes revê o íntimo brasileirismo, feito sob a influência do meio ainda matuto, simples e desartificioso. Nessa influência concorreria a da poesia que andava tradicionalmente na boca das mucamas negras, crioulas, mamelucas e mulatas que haveriam sido as primeiras educadoras desses poetas e suas iniciadoras sentimentais, como o foram de gerações de brasileiros.

A riqueza relativa do seu estro, se o compararmos ao dos românticos da primeira hora, e ainda aos dos nossos poetas que imediatamente lhes sucederam, a naturalidade e viveza da sua expressão, além dos já notados atributos de espontaneidade, sinceridade e candura, sempre raro na