Página:Machado de Assis - Critica.djvu/86

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do paraíso; sem essa circunstância, inteiramente casual, acabaria o romance. Ora, a substituição do principal pelo acessório, a ação transplantada dos caracteres e dos sentimentos para o incidente, para o fortuito, eis o que me pareceu incongruente e contrário às leis da arte.

Tal foi a minha objeção. Se algum dos meus contendores chegar a demonstrar que a objeção não é séria, terá cometido uma ação extraordinária. Até lá, ser-me-á lícito conservar uma pontazinha de cepticismo.

Que o Sr. Eça de Queirós podia lançar mão do extravio das cartas, não serei eu que o conteste; era seu direito. No modo de exercer é que a crítica lhe toma contas. O lenço de Desdêmona tem larga parte na sua morte; mas a alma ciosa e ardente de Otelo, a perfídia de Iago e a inocência de Desdêmona, eis os elementos principais da ação. O drama existe, porque está nos caracteres, nas paixões, na situação moral dos personagens: o acessório não domina o absoluto; é como a rima de Boileau: il ne doit qu'obéir. Extraviem-se as cartas, faça uso delas Juliana; é um episódio como qualquer outro. Mas o que, a meu ver, constitui o defeito da concepção do Sr. Eça de Queirós, é que a ação, já despida de todo o interesse anedótico, adquire um interesse de curiosidade. Luísa