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NOVELLAS EXTRAORDINARIAS

ledo, atravessaram de tropel a minha imaginação. Contavam-se cousas extraordinarias d'aquellas masmorras (cousas que eu considerára sempre como fabulas) tão estrahas e tão espantosas, que não se diziam senão em voz baixa. Seria acaso a minha sorte morrer á fome n'aquelle mundo de trevas? Ou que destino ainda mais cruel me estaria reservado? Que o resultado havia de ser a morte, e uma morte barbaramente escolhida, d'isso não me restava a menor duvida, a mim que conhecia bem o caracter dos meus juizes. O que me preoccupava era a fórma e a hora.

D'ahi a pouco as minhas mãos estendidas encontraram um obstaculo solido. Era uma parede que parecia de pedra, muito lisa, humida e fria. Caminhei ao longo d'ella com a cautelosa desconfiança que me inspiravam certas historias antigas. Comtudo, por aquelle processo, nunca chegaria a verificar as dimensões da masmorra; porque podia percorrel-a toda em redor, e voltar ao ponto d'onde tinha partido, sem dar por isso, tão perfeitamente uniforme parecia a parede. Procurei a navalha que trazia na algibeira na occasião de entrar para o tribunal; mas não a achei, porque o meu fato fôra trocado por uma tunica de sarja grosseira. Tinha-me lembrado enterral-a n'alguma fendasinha, para servir de signal ao ponto de partida. A difficuldade, comtudo, não era grande; mas a principio, com a desordem que me ia no pensamento, pareceu-me invencivel. Rasguei um pedaço da orla da tunica e estendi-o ao comprido, no chão, perpendicularmente á parede. Agora, seguindo o meu caminho, ás apalpadelas, em torno da masmorra, não podia deixar de encontrar o trapo, quando tivesse completado a volta. Pelo menos assim pensava eu; mas não tinha feito conta nem da extensão da masmorra, nem da minha propria fraqueza. O terreno era humido e escorregadio.