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O POÇO E O PENDULO
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sempre cada vez estava mais baixa! Decorreram dias, muitos dias talvez antes de chegar a balançar-se assaz perto de mim para me ventilar com o seu sopro medonho.

O cheiro do aço afiado mettia-se-me já pelo nariz. Pedi a Deus (fatiguei-o com as minhas preces!) para que o fizesse descer com mais rapidez! Enlouqueci; debati-me em esforços freneticos e inuteis para ir ao encontro da terrivel cimitarra movediça. Depois, subitamente, cahi n'um grande abatimento e fiquei immovel, sorrindo áquella morte scintillante, como uma creança sorri a um brinquedo precioso.

Houve um novo intervallo de completa insensibilidade; intervallo muito curto, porque ao recuperar os sentidos não achei que o pendulo tivesse descido extensão apreciavel. Mas talvez que o meu desmaio tivesse sido longo e que os demonios, que me espionavam, tivessem parado a vibração durante a minha insensibilidade.

Quando voltei a mim, senti necessidade de comer, tão certo é que a natureza humana reclama sempre os seus direitos, mesmo no meio das agonias mais terriveis. Estendi o braço esquerdo com um esforço penoso e agarrei um resto de carne, que os ratos se tinham dignado deixar-me. No momento de o levar á bocca, atravessou-me o espirito um pensamento informe de alegria, de esperança. Mas que podia haver de commum entre mim e a esperança? Era, digo, um pensamento informe (o homem tem muitas vezes pensamentos semelhantes, que nunca chegam a completar-se). Senti que aquelle era um pensamento de alegria, de esperança; mas senti tambem que morrera ao nascer. Em vão me esforcei por o recobrar, por completal-o.

O soffrimento quasi que me havia anniquilado as fa-