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O POÇO E O PENDULO
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dente para o centro da masmorra, onde a frescura do poço se me apresentava como um balsamo, em face d'aquella destruição pelo fogo. Corri para elle; sondei-o com a vista. A claridade da abobada inflammada illuminava-lhe todos os recantos. Comtudo, durante um momento de delirio, o espirito negou-se-me a comprehender o que viam os olhos. Mas a evidencia entrou, emfim, na minha alma, a força, victoriosamente, imprimindo-se-me no cerebro em caracteres de fogo. Oh! horror! Oh! todos os horrores excepto aquelle! Com um grito de terror, fugi para longe do poço e, escondendo o rosto entre as mãos, chorei amargamente.

O calor augmentava de um modo atroz. Levantei outra vez os olhos, tremendo, como n'um accesso de febre. A cellula tinha soffrido nova mudança, e agora essa mudança era evidentemente na fórma. Como das outras vezes, comecei por não entender o que se passava. Mas não me deixaram muito tempo em duvida. A vingança da Inquisição caminhava a passos largos. Duas vezes a minha felicidade a tinha derrotado; não se brincava muito tempo com o rei do Terror!

O quarto tinha sido quadrado. Agora dois dos seus angulos tinham-se tornado agudos; por conseguinte obtusos os outros dois. O terrivel contraste augmentava rapidamente, com um ruido surdo e prolongado. N'um instante a cellula tinha tomado a fórma de um losango. Mas a transformação não parou alli. Nem eu esperava, nem eu queria que parasse. Vinham-me tentações de cingir ao corpo aquellas paredes vermelhas como um vestuario de paz eterna. A morte, dizia eu commigo, a morte não importa qual, excepto a do poço!

Insensato! Como não via eu que o poço havia de ser por força; que o poço era o fim do ferro em braza, que