Página:O Bandido do Rio das Mortes.pdf/32

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-13- que elle está lá muito bem arranjado, com um patrão muito bom, assim mesmo meu coração não fica socegado. Elle era o mimo, o regalo de minha pobre companheira, que a semana passada deu a alma a Deus! Coitada ! Tão desconsolada por não ver o filho! Ah! meu Deus!... estou vendo que tambem vou morrer sem enxergar mais o meu colomim.

     Gaspar escutava commovido as palavras do velho indígena, que não pareciam sahir dos labios de um selvagem cathechizado já em edade avançada. mas, sim, de um velho christão que desd'o berço professára

a religião do Crucificado. Percebeu que o desventurado pae de familia enxugava furtivamente com a palma da mão, ao proferir aquellas palavras tão repassadas de dó e sentimento, umas lagrimas escassas, que lhe brotavam dos olhos quasi exhaustos e, sulcando-lhe as faces, nella se embebiam como gottas de chuva pelos rigores da secca.

     Emquanto Gaspar, enternecido, maravilhava-se de ver em um filho daquellas barbaras e incultas regiões uma alma tão affectuosa e bem formada como a do velho caboclo, uma supposição, luminosa e rapida,

como um meteóro, lhe atravessou o espírito.

     - E como se chamava esse teu filho? perguntou com soffreguidão.
     - Chamava-se ltauby; mas de certo por lá já lhe deram outro nome.
     - Que feliz achado!... - murmurou comsigo Gaspar - é o pae do meu Antonio!...
     - Pois socega teu coração, meu bom velho,-continuou em voz alta,- quando quizeres, tu poderás ver teu filho.
     - Como?... quando? exclamou o bugre em alegre sobresalto.
     - Não te posso dizer ainda; mas póde ser isso com mais facilidade e mais depressa do que imaginas.
     - Qual! murmurou o velho abanando a cabeça com incredulidade - já estou muito velho.
     E dizem-me que Piratininga é muito longe; e morrerei antes de lá chegar.

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