Como elevado muro, a serrania.
Neste formoso sítio se recreia
O lascivo Cupido entre as boninas,
Que sempre hum brando Zephyro meneia.
Da candida cecem, das clavellinas,
Da salva, mangerona e das mosquetas,
Das rubicundas flores hyacinthinas,
Muitas capellas tece, que de setas
Lhe servem contra peitos de donzellas,
A quem d’inveja traz sempre inquietas.
Não são d’huma só côr as flores bellas;
Que humas esmalta verde, outras rosado,
Entre as azues crescendo as amarellas.
Dos agrestes loureiros rodeado,
Faz o valle huma sombra deleitosa,
Quando apparece o sol mais levantado.
E por cima da relva bem graciosa
As gottas de crystal quasi imitando
Estão do aljofar puro a luz formosa.
As crystallinas fontes, que brotando
Por entre alvos seixinhos se derivão,
Das árvores os troncos vão banhando.
Entre as limpidas ágoas, qu’inda esquivão
O formoso pastor que se perdeo,
Preso das falsas mostras que o captivão,
Cresce a por cuja causa s’esqueceo
A linda Cytherêa de Vulcano,
Quando presa d’Amor se lhe rendeo.
Na brancura do rosto soberano,
Inda as crueis feridas apparecem
Do javali cerdoso e deshumano.
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