Página:Obras completas de Luis de Camões III (1843).djvu/250

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Vendo-me do passado arrependido?
Attenta que mais ganhas em ganhar-me,
Do que neste destrôço tens perdido.
Se queres insistir em desprezar-me,
Ver-me-has, sôbre amoroso, enfurecido.
Não me declaro mais, porque não quero
Que o medo faça o que d’amor espero.

Ah perfido amador! deixa o teu êrro.
Não vês quanto enganado e cego andas?
Aquella a quem não vence o duro ferro,
Como a podem vencer palavras brandas?
Manda a sua alma ja deste destêrro,
Com essas que a seu doce Esposo mandas.
Não a detenhas mais em teus amores,
Se dobrar-lhe não queres suas dores.

Vendo o cruel, emfim, que o que dizia,
Tomava a bella virgem por affronta,
E que quanto d’amor mais se accendia,
Ella delle fazia menos conta;
No concavo arco que na mão trazia,
Huma setta embebeo d’aguda ponta,
E o peito lhe passou de banda a banda.
Assi rendeo o esprito a virgem branda.

Vae-te, Esprito gentil, desta baixeza;
As azas abre ja, ja a luz derrama;
Vôa com desusada ligeireza
Onde o teu Bem t’espera, onde te chama.
Verás baixa do mundo a mór alteza;
Verás qu’engana mais a quem mais ama;
E lá do teu Amor, cá suspirado,
O fructo colherás tão desejado.