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SONETOS.
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CCLXVIII.

Este amor, que vos tenho limpo e puro,
De pensamento vil nunca tocado,
Em minha tenra idade começado,
Tê-lo dentro nesta alma só procuro.

D'haver nelle mudança estou seguro,
Sem temer nenhum caso, ou duro fado,
Nem o supremo bem, ou baixo estado,
Nem o tempo presente, nem futuro.

A bonina e a flor asinha passa;
Tudo por terra o inverno e estio deita;
Só para meu amor he sempre Maio.

Mas ver-vos para mim, Senhora, escassa,
E qu'essa ingratidão tudo me engeita,
Traz este meu amor sempre em desmaio.



CCLXIX.

A formosura desta fresca serra,
E a sombra dos verdes castanheiros,
O manso caminhar destes ribeiros,
Donde toda a tristeza se desterra;

O rouco som do mar, a estranha terra,
O esconder do sol pelos outeiros,
O recolher dos gados derradeiros,
Das nuvens pelo ar a branda guerra:

Em fim, tudo o que a rara natureza
Com tanta variedade nos offrece,
M'está (se não te vejo) magoando.

Sem ti tudo me enoja, e me aborrece;
Sem ti perpetuamente estou passando
Nas mores alegrias môr tristeza.