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LEIS DA VARIAÇÃO
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É lícito, pois, considerar-se a adaptação a um clima especial como uma qualidade que pode fàcilmente enxertar-se sobre esta larga flexibilidade de constituição qua perece inerente à maior parte dos animais. Nesta hipótese, a capacidade que o próprio homem oferece, e bem assim os seus animais domésticos, de poderem suportar os climas mais diversos; e o facto de o elefante e o rinoceronte terem outrora vivido num clima glacial, enquanto que as espécies existentes actualmente habitam todas as regiões da zona tórrida, não deveriam ser consideradas como anomalias, mas como exemplos de uma flexibilidade ordinária de constituição que se manifesta e certas circunstâncias particulares.

Qual é a parte que é necessário atribuir aos simples hábitos? qual a que deve atribuir-se à selecção natural das variedades tendo constituições inatas diferentes? qual a que, enfim, se deve atribuir a estas duas causas combinadas na aclimatação de uma espécie a um clima especial? É esta uma questão muito obscura. O hábito ou o costume tem sem dúvida alguma influência, se devemos acreditar na analogia; as obras sobre agricultura e mesmo as antigas enciclopédias chinesas dão a cada passo o conselho de transportar os animais de uma região para outra. Demais, como não é provável que o homem tenha chegado a escolher tantas raças e sub-raças, de que a constituição convém tão perfeitamente aos países que habitam, eu creio que deve atribuir-se ao hábito os resultados obtidos. Por outro lado, a selecção natural deve tender inevitàvelmente para conservar os indivíduos dotados de uma constituição bem adaptada aos países que habitam. Prova-se, nos tratados sobre muitas espécies de plantas cultivadas, que certas variedades suportam melhor um clima que outro. Encontra-se a prova nas obras sobre pomologia publicadas nos Estados Unidos; aí se recomenda, com efeito, empregar certas variedades nos Estados do Norte, e outras nos Estados do Sul. Ora, como a maior parte destas variedades tem uma origem recente, não se pode atribuir ao hábito as suas diferenças constitucionais. Cita-se mesmo, para provar que, em certos casos, a aclimatação é impossível, a alcachofra de Jerusalém, que jamais se propaga em Inglaterra por sementes e de que, por conseguinte, se não tem podido obter novas variedades; faz-se notar que esta planta ficou tão delicada como era. Tem-se muitas vezes citado também, e com muita mais razão, o feijão como exemplo; mas não se pode dizer, neste caso, que a experiência tenha realmente sido feita; seria preciso para isso que, durante vinte gerações, alguém tivesse o trabalho de semear feijões muito cedo para que uma grande parte fosse destruída