Lucia Maria Bastos Pereira das Neves Os esquecidos no processo da Independência: uma história a se fazer
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Almanack, Guarulhos, n. 25, ef00220, 2020 http://doi.org/10.1590/2236-463325ef0022
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em torno das questões políticas mais significativas do constitucionalismo e do separatismo, os manuscritos destacam-se por indicar a presença dessa guerra literária nas ruas.
Este ponto pode ser confirmado pela natureza da linguagem mais violenta e contundente do que aquela de tom mais moderado dos escritos impressos. Nesse caso, também fornecem algumas pistas da origem de cunho mais popular do que os primeiros. Deve-se lembrar, contudo, que naquela época, no Brasil, havia uma distinção entre povo e plebe. Na linguagem política da época, povo representava “a parte menos instruída e menos viciada da nação, a mais laboriosa e a mais pobre”[1]; a plebe representava a “populaça”, ou seja, as camadas ínfimas da sociedade, que, no Brasil, incluíam os escravos e alguns libertos[2].
Assim, pode-se vislumbrar que se, de um lado, os condutores da luta pela constitucionalização do reino e pela independência do Brasil - proprietários de terra, negociantes, bacharéis, caixeiros e militares - preferiam agir com mais prudência, proclamando ao mesmo tempo obediência ao soberano, à dinastia e à “conservação da santa religião”, de outro começava a circular, por meio desses panfletos manuscritos, uma linguagem mais enfática nas ruas da cidade do Rio de Janeiro, da Bahia e do Maranhão, incitando o povo a aderir ao movimento constitucionalista de 1821, intimamente ligado ao processo de 1822:
Às armas Cidadãos É tempo Às Armas
Nem um momento mais, perder deveis
Se à força da razão, os Reis não cedem
Das armas ao [sic] poder cedam os reis[3]
Forum
- ↑ GÊNIO CONSTITUCIONAL. Porto, n. 41, 17 nov. 1821.
- ↑ DIÁRIO DO GOVERNO. Rio de Janeiro, n. 86, 18 abr. 1823.
- ↑ RIO de Janeiro. Lata 195, maço 06, pasta 13. Rio de Janeiro: Arquivo Histórico do Itamarati, [1821]. Transcrito em CARVALHO, José Murilo de; BASTOS, Lucia; BASILE, Marcello. Às armas cidadãos! … Op. cit., p. 128. Atribui-se a data de 1821, pois Mareschal, representante da Áustria no Brasil, afirmava que, em setembro de 1821, começaram a aparecer cartazes sediciosos convocando os portugueses às armas. Cf. MELO, Jeronymo de Avelar Figueira de (org.). A correspondência do Barão de Wenzel de Mareschal. RHIGB, Rio de Janeiro, t. 77, v. 129, p. 165-244, 1914.