Página:Os Fidalgos da Casa Mourisca (I e II).pdf/229

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nuario? «Não se afflija.» Se tu soubesses o que eu estou sentindo, Bertha? se tu soubesses o que vão de saudades aqui dentro?

— Então não sei? Não era eu amiga de Beatriz tambem? O tempo mais feliz da minha vida não foi aquelle em que a conheci? Inda hontem chorei ao reler as cartas que ella me escrevia.

— E ella escrevia-te?

— A ultima que tenho d'ella é datada de oito dias antes da sua morte.

— Pobre criança! E... e dizia-te que sabia o estado em que estava?

— Dizia; mas que fingia illudir-se para não affligir os seus.

— E era assim, era. Nunca se ouviu uma queixa d'aquella bôca. Morreu a sorrir o pobre anjo.

E o saudoso pae quasi soluçava ao avivar aquella permanente chaga do seu coração.

— Snr. D. Luiz — acudiu frei Januario — olhe que lhe faz mal estar a recordar essas coisas. O passado, passado. A noite está comnosco e...

— É verdade! — atalhou Bertha — e eu a demoral-o aqui! Faça favor de entrar, meu padrinho, a mãe anda lá para a quinta. Meu pae está para a cidade e julgo que só ámanhã virá, mas....

Estas palavras recordaram a D. Luiz o motivo que o trouxera alli. Chamaram-n'o á realidade de sua presente situação, afugentando as memorias do passado, melancolicas, mas suaves para o seu espirito.

Mudou immediatamente de expressão, as lagrimas como que se lhe secaram aos estos da paixão que crescia n'elle. Ergueu a cabeça que a tristeza curvára. Assumiu aquella apparencia magestosa que costumava apresentar aos olhos dos estranhos, e em tom não rispido, porém menos cordial do que até alli, disse para Bertha, que era agora para elle a filha de Thomé da Povoa e já não a companheira de Beatriz:

— Bertha, ia-me esquecendo o que me trouxe aqui. O coração domina-me ainda ás vezes. Mas a crise passou. Vinha procurar teu pae. Visto que não o encontro,