Página:Os Fidalgos da Casa Mourisca (I e II).pdf/257

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estranheza, e violentando um pouco o seu respeito conjugal, disse, olhando fixamente Thomé:

— As chaves da Casa Mourisca?! Para que queres tu as chaves da Casa Mourisca?

— Provavelmente para abrir as portas.

— E tu vaes lá?

— Vou, e olha que já ha mais tempo lá me queria.

— E que vaes tu fazer á Casa Mourisca, Thomé?

— O que vou fazer? Vou trabalhar.

— Trabalhar?! Pois tu tomaste-a de renda?!

— Tomal-a de renda? Para quê? Então o fidalgo não me deu as chaves? Então não embirrou em que eu havia de ficar com ellas? Pois para espantalho não me servem cá em casa. As chaves são para abrir as portas, e quem as tem entra quando quer.

— Sim, mas que tens lá que fazer?

— Oh! não me falta tarefa. Aquillo não viu enxada ha bom tempo. Os canos estão entupidos, as minas por limpar, os tanques rôtos, as ruas cobertas de herva, os muros no chão, e tudo o mais por este gosto.

— E então tu é que vaes pôr isso tudo em ordem?

— Vou, sim senhora. É assim que hei de ensinar aquelle soberbo, que se julga deshonrado, só por que eu lhe fiz um serviço insignificante. Pois agora veremos como roe estes que lhe vou fazer. Olha, mulher, vês aquelle casarão negro, coroado de dentes, muitos dos quaes já lhe cahiram de velhos? Pois se eu não lhe puzer dentadura nova e lhe lavar aquelle cara, de maneira que pareça que está a rir e perca o ar carrancudo com que d'alli nos olha, não seja eu quem sou.

— Tu não estás em ti, Thomé. Vê lá no que te vaes metter. São despezas grandes, e nem tu tens direito para similhante coisa.

— Não sei de historias. O homem não quer tomar conta da casa emquanto não pagar as suas dividas; pôz-m'a ao meu cuidado e eu do que está ao meu cuidado cuido assim.

— Ih! Jesus, que homem este! Não faças as coisas no ar, Thomé.