Página:Os Fidalgos da Casa Mourisca (I e II).pdf/270

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não pôde reter um sorriso de estranheza e de sympathia, que o espectaculo que via lhe provocava.

E tão grato effeito parecia produzir-lhe esse espectaculo, que, sem ter querido interrompêl-o com a sua presença, continuou por algum tempo, observando-o.

Effectivamente para quem soubesse a verdadeira significação dos actos em que Thomé estava empenhado n'aquelle momento, não seria para estranhar o sorriso de Jorge, nem a sua expressão duplice de sympathia e de espanto.

Thomé não havia meditado no plano para a vingança que jurára contra o fidalgo. Anciava por principiar a pôl-a em pratica, e encetou-a sem methodo nem systema. Intimou os criados para que o acompanhassem, sem que tivesse ainda pensado no que lhes mandaria fazer.

Chegados que foram á quinta, fixou-se na primeira avenida á entrada e ahi principiou a azafama, arrancando as hervas inuteis, decepando os ramos mortos, varrendo as folhas cahidas, amparando os arbustos derrubados sobre o caminho, desassombrando as plantas affrontadas e á mingua de sol, enxugando e nivellando os passeios alagados, e desobstruindo os encanamentos de rega. A rua ficou que era um primor.

No momento em que Jorge o avistou, limpavam os criados o limo depositado em um tanque, emquanto Thomé, suando, tentava erguer sobre o pedestal a estatua de pedra de não sei que divindade pagã, que havia muitos annos repoisava em leito de malvas e ortigas, coberta de lichens esverdeados.

— É dia de festa por cá, á balburdia que estou vendo! — disse Jorge, adiantando-se emfim, e apparecendo aos olhos do fazendeiro, que se voltou precipitado ao ouvir-lhe a voz. — Quem visse dizia que passa por aqui procissão, em que nós somos mordomos.

Thomé, readquirindo a sua presença de espirito, respondeu:

— Procissão não digo, mas festa em que eu sou mordomo, ha de haver aqui, se Deus me der saude.

— Bem, visto que o Thomé é o juiz da festa, póde