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— De que me pedes perdão, Bertha? D'estas lagrimas? Oh! deixa-as correr, que ha muito não chóro lagrimas que me dêem um allivio assim. Eu sou que te digo: Obrigado, Bertha, obrigado, que me fizeste entrever a felicidade que o céo me póde ainda dar; n'estes curtos instantes da minha illusão luziram-me uns lampejos de alegria celeste. Tu só podias resuscitar-me a filha e eu quasi a senti ao ouvir-te, ao escutar essa abençoada musica e a voz, que julguei que só me chegaria outra vez aos ouvidos, se um dia me fosse dado escutar a dos anjos no céo. Agradecido, Bertha. A este meu coração são mais conhecidas as dôres que o despedaçam e queimam, do que estas que o desafogam em lagrimas. Agradecido, filha.

E o severo fidalgo da Casa Mourisca, sensibilisado, sem o menor vestigio da sua habitual rigidez, aproximou dos labios a fronte de Bertha e beijou-a com a doce affabilidade de um pae.

Bertha beijava-lhe as mãos, chorando com elle.

Por muito tempo assim se entenderam mudos aquelle velho e aquella rapariga, trazidos alli por uma mesma saudade, consagrando lagrimas a uma mesma recordação. D. Luiz estava cada vez mais fascinado. Nem por a ideia lhe corria que fosse a filha de Thomé da Povoa, quem tinha na sua presença, e quem abençoára e beijara.

Era a companheira de Beatriz, a encarregada pela alma d'aquelle anjo de conservar no mundo a sua memoria, de avivar as sympathias que ella inspirára na alma dos que a choravam ainda, e que a choral-a morreriam.

As mãos de Bertha não tinham profanado a harpa de Beatriz, tocando-a; nem ultrajára a sua memoria a voz que cantava a ballada favorita da infeliz menina.

D. Luiz cedia á influencia d'aquelle brando caracter feminino, e adorava em Bertha a imagem da filha que perdêra.

Ambos se esqueciam do presente, fallando d'ella. D. Luiz mostrou a Bertha todos os objectos, que haviam pertencido á filha e que elle alli conservava ainda como reliquias sagradas.