Página:Os Fidalgos da Casa Mourisca (I e II).pdf/335

Wikisource, a biblioteca livre

— A casar-te, hein? — concluiu Jorge, sem manifestar surpreza, e notavelmente embebido na execução dos seus calculos.

— Justamente.

— É uma boa resolução. Os homens como tu dão excellentes chefes de familia. Podes fazer a tua felicidade e a da mulher com quem casares.

— Isso são favores seus, snr. Jorge.

— Ora! Mas a final o que queres tu? Vens ouvir-me de conselho n'esse negocio? A mim, um rapaz solteiro?...

— Não, senhor, a coisa é outra.

— Então?

— Eu já lancei as minhas vistas...

— Sim, é natural.

— Mas não sei ainda se serei bem acolhido e, para lhe fallar a verdade, não me sinto com animo de... de tractar disso em pessoa.

— Não? Ora essa! E então?

— E então lembrei-me do snr. Jorge para lhe pedir este favor.

— De mim?! Tem graça. Queres obrigar-me a representar o papel de casamenteiro. Com todo o gosto. Mas sempre tenho curiosidade de saber a razão por que te lembraste de mim — disse Jorge que, havendo concluido o calculo, poisára a penna e esfregava vivamente as mãos para aquecêl-as. Olhando d'esta vez directamente para o seu interlocutor, perguntou-lhe:

— E quem é a noiva?

— É a filha do Thomé da Povoa.

Estas palavras dissiparam instantaneamente toda a meia indifferença com que Jorge escutára até alli as communicações de Clemente. O estremecimento que não pôde reprimir ao ouvil-as, a subita transformação que se lhe operou na physionomia, bastariam para revelar a verdade a Clemente, se este bom rapaz não tivesse uma d'aquellas almas, onde nunca entram de subito as suspeitas, mas sómente depois de muitos e porfiados embates.