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tom de amargura e quasi de ironia, quando, depois d'esta resposta de Thomé, exclamou voltando-se para a Casa Mourisca:

--Espera pois, casa de meus paes, que a nossa miseria nos expulse dos teus tectos e te abra as portas á familia de um lavrador abastado, para vêres reparados os teus muros, e cultivados esses campos maninhos; assim Deus dê a esse homem um pouco de amor ás coisas velhas, para te não destruir na reforma.

Thomé, que percebeu a occulta expressão d'estas palavras, replicou com dignidade:

--Porque não ha de antes dizer, snr. Jorge: Espera, casa de meus paes, que Deus inspire um dos teus donos, para que olhe por seus proprios olhos para os teus achaques e os cure por suas mãos?

--Os remedios são caros na botica, Thomé. Os pobres vêem ás vezes morrer um doente, porque não podem comprar a droga que o salvaria.

--Senhor Jorge--acudiu Thomé com um ar quasi solemne--resolva-se devéras a ser homem, deixe-se de viver como vivem e teem vivido os seus, queira do coração fazer-se economico, trabalhador e vigilante, livre-se da praga dos seus mordomos e procuradores, deixe o padre dizer missas, mal ou bem, conforme puder, porque isso é lá com Deus e elle, faça tudo isto e os capitaes não lhe faltarão. O homem que principiou a ganhal-os n'aquella casa será um dos que não porá duvida em empregal-os, até onde chegarem, para a sustentar e não deixar cahir; e onde não chegarem os capitaes, chegará o credito.

--É uma esmola que me offerece, Thomé?--perguntou Jorge, mas sem o menor signal de irritação.

--Não, snr. Jorge, não é. Nem o menino m'a aceitava, nem eu poderia fazêl-a, sem prejudicar meus filhos. Não é uma esmola, é um emprestimo, menos perigoso do que os arranjados pelo padre capellão. Não é vergonha um emprestimo, quando se faz em condições de poder por elle alliviar-se um homem de dividas mais pesadas e de credores mal intencionados, e resgatar e melhorar a propriedade. Ha muito que a sua casa vive