Página:Os Fidalgos da Casa Mourisca (I e II).pdf/363

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cente abatimento physico e moral, e procurava combatel-o por todos os meios.

Ia para o quarto do tio, e variando a conversa e temperando-a com todas as graças que o espirito e o estudo lhe suggeriam, conseguia distrahil-o e chegava até a fazêl-o sorrir.

Outras vezes entretinha-o, lendo-lhe em voz alta, e escolhia livros que, no dizer della podassem adoçar as cruezas do genio do fidalgo e amaciar-lhe as aspereza das suas escamas aristocraticas. Quantas occasiões D. Luiz escutava attento e commovido os episodios de certos livros, mansamente revolucionarios, e abria desprevenido o coração a doutrinas subversivas dos seus velhos preconceitos, tão occultas ellas se lhe ensinuavam entre os artificios da concepção e da linguagem!

A baroneza tinha muita fé n'esta vaccina litteraria.

O resultado porém de tudo isto foi que assim que ella tentou partir para Lisboa, encontrou no tio uma reluctancia com que não havia contado.


O pobre velho, fraco, triste e doente, havia-se costumado á companhia d'aquella mulher cheia de vida, de intelligencia e de alegria, e queria-lhe com o apêgo que, n'essas idades, a alma contrahe a todas as imagens que lhe recordam o tempo em que se conheceu joven e vigorosa.

D. Luiz experimentava quasi um secreto terror ao lembrar-se de que a baroneza o havia de deixar. Quem viria sentar-se ao lado do seu melancolico leito, assim que ella partisse? Os filhos afastára-os para longe de si, em castigo dos delictos com que tanto o haviam offendido. Frei Januario era-lhe insupportavel.

Mas ficar só, viver só, pensar só, alli n'aquella casa que nem era sua, só nas suas longas e melancolicas vigilias, com as escuras memorias do seu passado, com as sombrias apprehensões pelo futuro... esta ideia aterrava-o. Quando Gabriella alludia á sua próxima partida, elle desviava o sentido da conversa e claramente lhe pedia que não fallasse n'isso.