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OS MAIAS

soffrendo d’um incommodo de entranhas. Ega pensou no Cruges e no Taveira — ­mas receiou a cabelleira desleixada do Cruges, e alguns dos seus ataques de amargo spleen que estragaria o jantar. Terminou por convidar dois intimos do Cohen; mas teve então de supprimir o Taveira, que estava de mal com um d’esses cavalheiros por palavras que tinham trocado em casa da «Lola gorda».

Decididos os convidados, fixado o jantar para uma segunda feira, Ega teve uma conferencia com o maitre de hotel do Central, em que lhe recommendou muita flôr, dois ananazes para enfeitar a meza, e exigiu que um dos pratos do menu, qualquer d’elles, fosse à la Cohen; e elle mesmo suggeriu uma idéa: tomates farcies à la Cohen...

N’essa tarde, ás seis horas, Carlos, ao descer a rua do Alecrim para o Hotel Central, avistou Craft dentro da loja de bric-a-brac do tio Abrahão.

Entrou. O velho judeo, que estava mostrando a Craft uma falsa faiença do Rato, arrancou logo da cabeça o sujo barrete de borla, e ficou curvado em dois, diante de Carlos, com as duas mãos sobre o coração.

Depois, n’uma linguagem exotica, misturada d’inglez, pediu ao seu bom senhor D. Carlos da Maia, ao seu digno senhor, ao seu beautiful gentleman, que se dignasse examinar uma maravilhasinha que lhe tinha reservada; e o seu muito generous gentleman tinha só a voltar os olhos, a maravilhasinha estava alli ao lado, n’uma cadeira. Era um retrato d’hespanhola,