Página:Os Maias - Volume 2.pdf/114

Wikisource, a biblioteca livre
104
OS MAIAS

Maria Eduarda. Todas as suas outras aventuras as contára ao Ega; e essas confidencias constituiam talvez mesmo o prazer mais solido que ellas lhe davam. Isto, porém, não era «uma aventura». Ao seu amor misturava-se alguma coisa de religioso; e, como os verdadeiros devotos, repugnava-lhe conversar sobre a sua fé... Todavia, ao mesmo tempo, sentia uma tentação de fallar d’ella ao Ega, e de tornar vivas, e como visiveis aos seus proprios olhos, dando-lhes o contorno das palavras e o seu relevo, as coisas divinas e confusas que lhe enchiam o coração. Além d’isso, Ega não saberia tudo, mais tarde ou mais cedo, pela tagarellice alheia? Antes lh’o dissesse elle, fraternalmente. Mas hesitou ainda, accendeu outra cigarrette. Justamente o Ega tomára o seu castiçal, e começava a accendel-o a uma serpentina, devagar e com um ar amuado.

— Não sejas tolo, não te vás deitar, senta-te ahi, disse Carlos.

E contou-lhe tudo miudamente, diffusamente, desde o primeiro encontro, á entrada do Hotel Central, no dia do jantar ao Cohen.

Ega escutava-o, sem uma palavra, enterrado no fundo do sofá. Suppuzera um romancesinho, d’esses que nascem e morrem entre um beijo e um bocejo: e agora, só pelo modo como Carlos fallava d’aquelle grande amor, elle sentia-o profundo, absorvente, eterno, e para bem ou para mal tornando-se d’ahi por diante, e para sempre, o seu irreparavel