Página:Os Maias - Volume 2.pdf/443

Wikisource, a biblioteca livre
OS MAIAS
433

estamos vivos, mas mortos um para o outro, e viva a paixão que nos unia!... Pois tu imaginas que por me virem provar que ella é minha irmã, eu gósto menos d’ella do que gostava hontem, ou gósto d’um modo differente? Está claro que não! O meu amor não se vai d’uma hora para a outra accommodar a novas circumstancias, e transformar-se em amizade... Nunca! Nem eu quero!

Era uma brutal revolta — o seu amor defendendo-se, não querendo morrer, só porque as revelações d’um Guimarães e uma caixa de charutos cheia de papeis velhos o declaravam impossivel, e lhe ordenavam que morresse!

Houve outro melancolico silencio. Ega accendeu uma cigarette, foi-se enterrar ao canto do sofá. Uma fadiga ia-o vencendo, feita de toda aquella emoção, da noitada no Augusto, da estremunhada manhã na alcova da Carmen. Todo o quarto ia entristecendo, á luz mais triste da tarde d’inverno que descia. Ega terminou por cerrar os olhos. Mas bem depressa o sacudiu outra exclamação de Carlos, que de novo, diante d’elle, apertava as mãos com desespero:

— E o peor ainda não é isto, Ega! O peor é que temos de lhe dizer tudo, de lhe contar tudo, a ella!...

Ega já pensára n’isso... E era necessario que se lhe dissesse immediatamente, sem hesitações.

— Vou-lhe eu mesmo contar tudo, murmurou Carlos.