E o seu desespero era que o avô assim tivesse partido para sempre, sem que entre elles houvesse um adeus, uma dôce palavra trocada. Nada! Apenas aquelle olhar angustiado, quando passára com a vela accêsa na mão. Já então elle ia andando para a morte. O avô sabia tudo, d’isso morrera! E esta certeza sem cessar lhe batia n’alma, com uma longa pancada repetida e lugubre. O avô sabia tudo, d’isso morrera!
Ega veio com um gesto indicar-lhe o estado em que estavam — elle de robe-de-chambre, Carlos com o paletot sobre a camisa de dormir:
— É necessario descer, é necessario vestir-nos.
Carlos balbuciou:
— Sim, vamo-nos vestir...
Mas não se arredava. Ega levou-o brandamente pelo braço. Elle caminhava como um somnambulo, passando o lenço devagar pela testa e pela barba. E de repente no corredor, apertando desesperadamente as mãos, outra vez coberto de lagrimas, n’um agoniado desabafo de toda a sua culpa:
— Ega, meu querido Ega! O avô viu-me esta manhã quando entrei! E passou, não me disse nada... Sabia tudo, foi isso que o matou!...
Ega arrastou-o, consolou-o, repellindo tal idéa. Que tolice! O avô tinha quasi oitenta annos, e uma doença de coração... Desde a volta de Santa Olavia, quantas vezes elles tinham fallado n’isso, aterrados! Era absurdo ir agora fazer-se mais desgraçado com semelhante imaginação!