Página:Os trabalhadores do mar.djvu/338

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mata, rouba, sonega, ignora e sorri. Ruge, depois abranda-se.

Nada semelhante nas Douvres. Os dous rochedos, levantando acima das ondas o cadaver da Durande, tinham um ar de triumpho. Dissera-se dous braços sahindo do golphão, e mostrando ás tempestades, o cadaver daquelle navio. Era uma cousa igual ao assassino que se vangloria do crime.

A isto acrescentava-se o horror sagrado da hora. A madrugada tem uma grandeza mysteriosa que se compõe de um resto de sonho e de um começo de pensamento. Nesse momento turvado, como que fluctua ainda um pouco de espectro. A especie de immenso H maiusculo formado pela duas Douvres com a Durande no centro, apparecia no horisonte no meio de uma certa magestade crepuscular.

Gilliatt vestia a roupa do mar, camisa de lã, meias de lã, sapatos taixeados, japona de lã, calça de panno grosso mal tecido, com bolsos, e na cabeça um daquelles barretes de lã vermelha usados então na marinha, e que se chamavam no seculo passado galeriennes.

Reconheceu o escolho e avançou.

A Durande estava ao contrario de um navio deitado a pique; era um navio pendurado no ar.

Não havia mais estranho commettimento que o de salvar a machina daquelle navio.

Era dia claro quando Gilliatt chegou ás aguas do escolho.

Como dissemos, havia pouco mar. A agua tinha apenas a quantidade de agitação que lhe dava a