Página:Os trabalhadores do mar.djvu/606

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quem alli estava, era elle quem estava alli! As suas idéas, deslumbradas e fixas, paravam naquella creatura como se fora um rubi. Contemplava aquella nuca e aquelles cabellos. Gilliatt nem mesmo pensava que tudo aquillo lhe pertencia, que em pouco tempo, talvez amanhã, elle teria o direito de tirar-lhe aquella coifa e deslaçar aquella fita. Sonhar até esse ponto era um excesso de audacia que elle não poderia conceber um momento. Tocar com o pensamento e quasi tocar com a mão. O amor era para Gilliatt como mel para o urso, o sonho eximio e delicado. Pensava confusarnente. Não sabia o que tinha. O rouxinol cantava. Elle sentia-se expirar.

Levantar-se, galgar o muro, approximar-se, dizer sou eu, fallar a Deruchette, foi idéa que não teve. Se ativesse, fugiria. Se alguma cousa semelhante a um pensamento chegou a despontar no seu espirito, era que Deruchette estava alli, que elle não tinha necessidade de mais cousa alguma, e que a eternidade começava.

Um rumor arrancou a ambos, ella do devaneio, elle do extasis.

Andava alguem no jardim. Não se via quem era por causa das arvores. Era um passo de homem.

Deruchette levantou os olhos.

Os passos aproximaram-se e cessaram. Quem quer que era parou. Devia estar perto. O caminho onde estava o banco, perdia-se entre duas moutas. Era ahi que estava essa pessoa, nesse intervallo, a poucos passos do banco.

O acaso tinha disposto a espessura dos ramos, de tal modo, que Deruchette via, a pessoa, sem que Gilliatt a visse.