Página:Os trabalhadores do mar.djvu/84

Wikisource, a biblioteca livre
— 76 —

residir em Saint-Sampson, dizia: Esta rapariga seduz a matar.

Deruchette tinha as mais lindas mãosinhas deste mundo, e pés iguaes ás mãos, quatro pésinhos de mosca, dizia mess Lethierry. Tinha em si a bondade e a doçura: o tio Lethierry era toda a sua familia e riqueza: o trabalho della, era deixar-se viver; tinha por talento algumas canções, por sciencia a belleza, por espirito a innocencia, por coração a ignorancia; tinha a graciosa indolencia creoula, mesclada de travessura e de vivesa, a jovialidade traquinas da infancia com um pendor á melancolia, vestuarios um pouco insulares, elegantes, mas incorrectos, chapéos de flôres todo o anno, fronte ingenua, pescoço flexivel e tentador, cabellos castanhos, pelle branca com alguns toques arruivados no verão, bocca grande e sã, e nessa bocca o adoravel e perigoso explendor do sorriso. Eis o que era Deruchette.

Algumas vezes, á noite, após o pôr o sol, no momento em que a noite se mistura com o mar, á hora em que o crepusculo dá uma especie de terror as vagas, via-se entrar na barra de Saint-Sampson, ao tumulto sinistro das ondas uma certa massa informe, uma cousa monstruosa que silvava e cuspia, que roncava como uma besta e fumegava como um volcão, uma especie de hydra babando espuma e arrastando um nevoeiro, atirando-se sobre a cidade com um horrivel movimento de barbatanas e uma goela donde as chammas irrompiam. Era Durande.