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que aquy nesta terra fez em quatro meses que nella esteve, de que se tratar a seu tempo, me passarey a hũ estranho caso que nestes breves dias aconteceo nesta cidade, paraque se saiba em que parou a prosperidade do grãnde Diogo Soarez, dovernador que foy deste reyno Peguu, & o galardão que o mundo em fim custuma de dar a todos os que o servem, & q se fião delle por mais boas venturas que lhe mostre o começo. O qual foy desta maneyra. Avia nesta cidade de Peguu hum mercador chamado Mambogoaa, homem rico & de nome na terra, o qual em tempo do Rey Bramaa passado quando Diogo Soarez estava na mayor força do seu mando & valia, com titulo de irmão del Rey, & supremo em todo o governo sobre todos os principes & senhores do reyno, veyo a tratar de casal hűa filha que tinha com hum mancebo filho de outro mercador honrado, & tambem muito rico, que se chamava Manicamandarim. E cõcertados os pays dos nuivos nos dotes q ambores deraõ a seus filhos, que, segundo dexião, foraõ trezentos mil cruzados, vindo o dia das vodas, se celebrarão com muitas festas, & grãndissimo fausto de riquezas & hõras, a que foy junta grande parte da gente nobre desta cidade. E acertando neste mesmo dia ja quasi sol posto a vir Diogo Soarez de casa del Rey com muita gente de que sempre andava acompanhado, assi de pé como de cavallo, passou pela porta do Mãbogoaa pay da noiva, & ouvindo as grandes festas & regozijos que avia na casa, perguntou o que aquillo era, & lhe foy respondido q casava Mambogoaa sua filha. Elle então detendo o elifante em que hia, lhe mãndou dizer que para bem lhe fosse aquelle casamento, & que Deos os deixasse viver & lograr muitos annos, & outras palavras a este modo, & lhe fez de si muitos offerecimentos para o q delle lhe cumprisse. De que o velho, pay da noiva se ouve por tão frande & tão honrado, que não sabendo cõ que lhe pagasse tamanha honra, pois a dignidade & grandeza da pessoa q lhe fazia era quasi tamanha como a do proprio Rey, desejoso de satisfazer em parte o que em todo não podia, tomou a filha pela mão, companhada de muitas molheres nobres, & se veyo com ella atè a porta da rua onde estava o Diogo Soarez, & despois de se lhe prostrar por terra com hum muito grande acatamento, lhe deu por seu modo as graças daquella merce & honra que lhe fizera, & tirando a moça por mandado de seu pay hum anel rico que tinha no dedo, lho deu cos joelhos em terra a q o Diogo Soarez em vez de lhe guardar o decoro que se lhe devia em ley de nobreza & de amizade, como era de condição sensual & deshonesto, estendendo a mão, despois de lhe tomar o anel, pegou rijamente nella dizendo, nunca Deos queira que moça tão fermosa como vòs se empregue em outrem senão em mim. O pobre velho do pay vendo pegar taõ rijo da filha, & com hum insulto tão afrõ