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O leão convocou uma assembléa e disse:
«Sócios meus, certamente este infortunio veio
         A castigar-nos de peccados.
         Que o mais culpado entre os culpados
Morra por applacar a colera divina.
Para a commum saúde esse é, talvez, o meio.
Em casos taes é de uso haver sacrificados;
         Assim a historia nol-o ensina.
Sem nenhuma illusão, sem nenhuma indulgencia,
         Pesquizemos a consciencia.
Quanto a mim, por dar mate ao impeto glotão,
         Devorei muita carneirada.
         Em que é que me offendera? em nada.
         E tive mesmo occasião
De comer egualmente o guarda da manada.
Portanto, se é mister sacrificar-me, prompto.
         Mas, assim como me accusei,
Bom é que cada um se accuse, de tal sorte
Que (devemos querel-o, e é de todo ponto
Justo) caiba ao maior dos culpados a morte.»
«— Meu senhor, accudiu a raposa, é ser rei
Bom demais; é provar melindre exagerado.
         Pois então devorar carneiros,
Raça lorpa e villã, pode lá ser peccado?
         Não. Vós fizestes-lhes, senhor,
         Em os comer, muito favor.
         E no que toca aos pegureiros,
Toda a calamidade era bem merecida,
         Pois são daquellas gentes taes
Que imaginaram ter posição mais subida
         Que a de nós outros animaes.»