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Recordações d'uma colonial
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natural, e empunhavam troços de cana, em que artisticamente tinham entalhado sulcos profundos.

Com um movimento sacudido e regular fricionavam os pausitos um no outro e assim obtinham o ruido a que acima me referi.

Não é facil descrever o efeito que no meu espirito produziu o ritmo d'essa musica esotica. Passo a passo fui-me aproximando, a respiração suspensa, os labios entreabertos, os braços pendentes ao longo do corpo. Caminhava como n'um estasis.

Os negritos, ao verem-me, soltaram um Ai-ué, breve e entusiastico, e redobraram a furia do exercicio.

Então, não sei o que passou por mim.

Saltei para o meio da clareira e comecei a mover os pésinhos á cadencia da musica: um atrás, outro adiante, acompanhando essas evoluções com o bambolear dos quadris, rebolando-me e deitando a lingua de fóra, os olhos a revirarem-se como os de uma boneca de Nuremberg.

Era a bailarina que se revelava.

Os garotos. encantados pelo espetáculo delicioso que eu lhes proporcionava, não abandonavam o compasso e continuavam a violenta fricção, cada vez mais repicada.