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o abysmo, como uma gigantesca esphinge, e fitava longamente as anfractuosidades do rochedo, immergindo da agua espelhante e recortando na luz opalina do luar a sua negra silhoetta de monstro petreficado.

E n'essas horas de silenciosa abstracção, Severina esquecia o Silvestre, a sua aldeia, a condição humilde em que nascêra, o ignorado cantinho da terra em que deveria morrer e viver.

A voz dolente das ondas, desenrolando-se na praia e quebrando-se de encontro ás ribas, soava-lhe ao ouvido como um rythmo fantastico que a arrebatava em espirito para uma região desconhecida. Pungia-a o nostalgico anceio, o torturante desejo de uma ignorada felicidade, que ella não sabia onde existia nem de que elementos era formada, mas que a chamava de longe, fugindo-lhe sem cessar.

Então Severina, tremia, estendia os braços, na attitude de quem supplica, e dos seus limpidos olhos azues, franjados de compridas pestanas, desprendiam-se duas lagrimas, que lhe rolavam nas faces pallidas.

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— Tia, gritava um dos tres pequenitos, tenho frio!

— Cala-te, choramigava o mais novo, deixa-me brincar.

Severina corria para as creanças, abria-lhes os braços, apertava-as ao peito e beijava-as carinhosamente, deleitando-se no amoravel contacto d'essas tres cabecinhas, que afugentavam a visão ob- cecante.