Página:Turbilhão (Coelho Netto, 1919).djvu/129

Wikisource, a biblioteca livre

ironia da memória alanceava-lhe o coração. Paulo voltou-se atirando um braço, encolhendo as pernas, com um resmungo. Ela pensou que ele houvesse acordado e, de manso, inclinando-se, examinou-o: dormia profundamente, respirando um hálito quente e azedo.

Bebendo! suspirou ela baixinho, de mãos postas, olhos em alvo, demandando o céu. Bebendo... meu filho, o meu Paulo! E sentou-se, de novo, muito quieta para continuar a dolorosa vigília, perseguida pelas reminiscências, falenas tristes da noite velha do passado que esvoaçavam em torno de sua alma. Já o via rapaz e a ela menina: ele concluindo os preparatórios, ela fazendo os primeiros bordados.

Noites tranqüilas para sempre perdidas quando, na sala de jantar, em volta da mesa, à luz de um lampião de querosene, na casa da Rua Haddock Lobo, Paulo estudava os seus verbos, Violante vestia as suas bonecas e ela, ao lado do marido, gozando aquela delícia honesta, ponteava, cerzia uma roupa ou discorria sobre as necessidades da casa, lembrando compras indispensáveis. Fora, no quintal, havia um jasmineiro, que avassalava o muro e perfumava a casa.

"Uhum! não..." regougou o rapaz voltando-se torcicolosamente e, como o seu rosto ficasse em plena claridade, Dona Júlia afastou a vela, pôs-lhe diante um livro como alparluz para que a sombra lhe protegesse o sono. Paulo pôs-se a