Página:Turbilhão (Coelho Netto, 1919).djvu/132

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chão. O animal corcoveou espreguiçando-se e, vendo que a senhora saía, acompanhou-a em passo sutil. Dona Júlia abriu a janela devagarinho. Uma brisa fresca soprava, o céu estava estrelado e o alvo clarão das lâmpadas da Estrada dava uma ilusão de luar.

Varriam a rua e, numa densa nuvem de pó, uma carroça arrastava-se, moviam-se vultos. "Também agora não vale a pena, disse ela; com pouco mais está aí o dia." E, debruçada, ficou a olhar fundamente, para muito longe, para o tempo d'outrora, o doce tempo!

Lá o via todo, feliz e calmo, lá longe, no irregressível. Dois homens passaram em mangas de camisa, fumando; um levava uma picareta ao ombro. 'Meu Deus..." e ficou-se nesta exclamação que resumia todo o seu espanto, porque parecia impossível que padecesse tanto, sendo tão virtuosa e tendo tamanha fé na Providência. "Não! também é demais!" E à janela, só, dentro do seu desespero, cercada pela noite negra e muda, pôs-se a falar gesticulando.

— Uma sai, vai-se embora; o outro, tão bom menino, faz isto, meu Deus... Que tenho feito eu?! Vejo por aí outras mães tão felizes com os seus maridos, com seus filhos... só eu, então, é que hei de ser a desgraçada? Por quê?

Baixou os olhos e viu a rua mais negra como se a noite houvesse recalcado a sombra. Ao longe havia ainda dois pontinhos luminosos, mas esses mesmos desapareceram - um primeiro, outro depois, e a treva ficou absoluta. "Por que,