Página:Turbilhão (Coelho Netto, 1919).djvu/159

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Baixinho, com a sua voz misteriosa, perguntou de novo: Minh'ama está com medo?

— Não sei: ando nervosa, tudo me impressiona.

— Quanto mais se vosmecê visse o que eu vejo. Não se lembra daquela noite em que vosmecê me encontrou de joelhos, na cozinha, rezando e chorando?

— Sim...

— Pois eu estava conversando com meu filho. Ele não me deixa - é de noite, é de dia - está sempre comigo. Como é que eu não tenho medo? A gente estando bem com Deus não deve ter medo. Que é que vosmecê pensa? Eles andam pela casa. Há gente que vê. Eu não vejo, mas ouço: eles falam, eles gemem; às vezes até cantam...

— Está bom, Felícia, vamos deixar isso para amanhã. É tarde; preciso dormir.

— Eu falo mesmo por vosmecê.

Deitou-se e, cobrindo a cabeça, o seu corpo magro e comprido, muito enrolado no lençol, ficou imóvel e hirto como o de uma múmia. Dona Júlia esteve algum tempo d'olhos abertos, a pensar naquele mistério das almas visitadoras. Felícia ressonava e, pouco a pouco, o sono foi-lhe também pesando nas pálpebras. De instante a instante abria os olhos já empanados, logo, porém, os fechava e adormeceu, por fim, cansadamente.