Página:Turbilhão (Coelho Netto, 1919).djvu/216

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e, fincando os pés na parede, pôs-se a balançar-se com os olhos no teto, pensando:

Fora covarde abandonando a sorte, devia ter ficado para outra banca: só na repetição de 20 ganhara trezentos e cinqüenta mil-réis; devia ter continuado, aumentando o jogo. Tivera palpite de jogar o máximo na repetição do 20, mas começaram a falar - "que o número estava mau, que a banca estava de sorte". Escarapelou-se, aborrecido. "Qual, quem joga não deve dar ouvidos a outros... Vão para ali peruar, com inveja de quem ganha, e é isso... Podia ter saído com uma fortuna." Assentando na cadeira, tomou um lápis, pôs-se a fazer cálculos, somando lucros fantásticos. Era a sua mania.

Se comprava bilhetes, imaginando tirar a sorte, distribuía a fortuna, não em sonho vago, mas escrevendo parcela a parcela, a empregar o dinheiro: tantos contos para um prédio, edificado a seu gosto, entre pomar e jardim, em arrabalde tranqüilo; tantos para móveis d'estilo, objetos d'arte, alfaias, livros. Uma parte para a aquisição de propriedades que lhe dariam segura renda; o resto em conta corrente, num banco.

Até o dia seguinte vivia regaladamente daquela ilusão, gozando a vida repousada e farta dos ricos, com amantes caras, um grupo de amigos para os saraus de literatura e arte, e a fortuna a multiplicar-se com a facilidade avassaladora com que as sementeiras crescem nos campos, alargando-lhe