Página:Turbilhão (Coelho Netto, 1919).djvu/42

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antes, no dia em que ela completara dezoito anos, e que a mãe contara e cosera, cantarolando as suas modinhas tristes.

Não dizia palavra, apenas o seu rosto contraia-se em crispações nervosas e as pemas tremiam-lhe. Fechou o móvel, sentou-se na cama, com os braços caídos, e viu-se ao espelho do lavatório, demudado, os cabelos desfeitos, os olhos fundos e demorou o olhar, mirando-se. Pouco a pouco, porém, foi-se-lhe a imagem desvanecendo e uma sombra passou-lhe pelos olhos; agitou-se, e logo reviu-se, como em ressurgimento,

Fora, os soluços de Dona Júlia sucediam-se, a mais e mais angustiosos. "Que lhe hei de eu dizer, meu Deus!" Não lhe acudia uma palavra, apertava a cabeça entre as mãos, como a espremê-la, trincava os lábios e, de novo, cravava os olhos no espelho, revendo-se. E as jóias? Puxou a gaveta da cômoda - lá estava a caixa de veludo em que ela costumava guardá-1as - abriu-a: vazia! Meneou com a cabeça, contemplando o fundo de cetim negro, onde brilhavam letras douradas, entre medalhas. Fechou-a e depô-la de leve na gaveta, sobre umas gazes tênues. Afastando-se, sentiu que alguma coisa lhe fugia diante dos pés: baixou os olhos - era uma velha botina acalcanhada com o cano engelhado. Perto do lavatório jazia a parelha. Eram as botinas com que ela andava em casa.