Página:Turbilhão (Coelho Netto, 1919).djvu/83

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os degraus e uma negra que descia, de cabeça alta, olhos escuros, tateando cautelosamente, às cegas. Um tílburi estacionava embaixo.

Paulo respirou angustiado. Era dali que ele devia sair para a vida, depois de praticar à beira dos leitos de sofrimento, esvurmando pústulas, talhando carnes, recebendo nas mãos a vasa imunda das podridões humanas, acudindo à agonia de um, ao estertor de outro, subjugando um delirante, animando um tímido, levando o cordial a um abatido, com o termômetro de axila em axila, a tomar a temperatura de corpos queimados pela febre, túmidos de inchaços ou descarnados pela tuberculose.

Era aquela estrumeira humana que fazia vicejar a flor sempre bela da ciência; era aquela infecção que preparava a saúde. Aqueles corpos eram como compêndios nos quais, logo que esmoreciam, mestres e alunos, abrindo-os a golpes, estudavam na morte os segredos da vida misteriosa. Dali devia ele levar o diploma desejado. Era daquela imensa alcaçova, espécie de presídio da Morte, que ele devia tirar o pão, o agasalho, o conforto, a riqueza e a glória de amanhã...

Mas o edifício da Escola apareceu e Paulo, pensando na irmã, receoso de ver um dos colegas, sem lembrar-se de que era domingo, baixou os olhos e só descansou quando o bonde deu volta para o Largo do Moura.