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SUD MENNUCCI

mente nessa ânsia de figurar como branco, num ambiente onde só o branco valia. E a obsessão dos mulatos, porisso mesmo que na fase inaugural de sua valorisação social — hoje muito diminuida, uma vez que o preconceito de côr não tinha por onde lançar raizes — serviu de pábulo ao riso inextinguivel de Luiz Gama.

Para ele que campava de descendencia fidalga, pelo lado paterno, e de estirpe real, pelo lado materno [1], luxos todos que não lhe adiantaram quando a brutalidade da vida lhe infligira o tremendo castigo da servidão sem esperanças, e de que só o libertara a propria inteligência, só esta valia para o seu fôro intimo. Todas as mais preocupações humanas, que se podiam incluir entre as estólidas manias de simples “figuração”, isto é, dinheiro, importancia, prestigio social, prosápia de boa ralé, apenas se poderiam aproveitar para argumentos de sátiras e burletas. E aqui está a prova no “Soneto”, feito sobre o mote: “E não pôde negar ser meu parente”.

«Sou nobre e de linhagem sublimada,
descendo, em linha reta, dos Pegados,
cuja lança feroz, desbaratados,
fez tremer os guerreiros da Cruzada!

Minha mãi, que é de proa alcantilada,
vem da raça dos reis mais afamados»
— blasonava, entre um bando de pasmados,
certo parvo de casta amorenada.

  1. O proprio Luiz Gama parece inculcá-lo na poesia «A minha mãi».