"Doida não!" Antes vítima/Acto de contrição
Comecei este livro sob os efeitos de um violento impressionismo. Fui escrevendo, escrevendo, desabafando, num revolto queixume de quem sofre, numa agitada revolta de quem sente.
Era preciso transformar este ódio e êste amor revestidos de tragédia, em luz, em reacção, em onda de pensamentos e sensações. E em vibrar de exaltação, numa exaltação de agruras reprimidas, fundas, despedaçadoras, agitei as mais reconditas e intensas repercussões do pensar e do sentir que dilatam a imaginação e o coração feridos.
Vejo agora, ao reler o que escrevi, que acentuei nos dominios do sub-consciente um traço de psicologia de contrastes que caracterisa a nossa raça.
Sob o império da paixão, comecei por destilar o fel dos cruciantes calvários convertido em fremento de revoltada fulminação. Mas pouco a pouco penetrei no fundo da alma que acusara, entendi-lhe melhor as sensações, revolvi-lhe as chagas e acabei por lamentar atravez da odisseia que me atormenta e é fonte de tantas inspirações, a odisseia de que sangram dores e me faz terminar estas páginas enternecidas com lágrimas e contrição absolvida pelos elevados pensamentos contidos neste vibrante soneto dos «Versos»:
Viver é batalhar. Cada vitoria
Deixa sangrando a alma dolorida.
E o corpo exausto. E por ganhar a vida
Que a perdem tantos numa luta inglória.
Para alcançar — fortuna transitória!
O pão do dia, a sêde de água obtida
Nessa dura refrega, quanto tida
De mártires sem fé, de herois sem história!
Viver é combater. Pois raramente
Viver é ser feliz, é ir contente
Do amor cantando a descuidada trova;
É converter o ideal em realidade
Dando a mais à Sciência uma verdade
E ao Belo e ao Bem uma conquista nova.
Hóstia imaculada da poesia, ergue alto a comunhão, resplendorosa do Ideal flamejante da Fé, de Beleza e de Verdade.
Foi para converter o Ideal em realidade que combati. Foi para dar ao Belo e ao Bem uma conquista nova que acabei por defender.