"Doida não!" Antes vítima/Ao Ex.mo Snr. Dr. Bernardo Lucas
Embora V. Ex.a me desanimasse, quando da audiência que lhe solicitei no desejo de contribuir para a defega dêste debate sensacional e me demonstrasse à dificuldade desta publicação, não esmoreci no meu intento. É que nesse expontâneo desejo não se agitava só a ambição de defender uma causa pessoal. Palpitava o interesse por uma causa comum — a defeza de um sexo ligada a todos os problemas de ordem social.
Aqui estou, pois, transgredindo as opiniões de V. Ex.a a associar aos complicados processos juridicos, os quesitos sentimentais do meu coração, do meu critério e da minha martirisada experiência.
Não obedeci a sugestões extranhas. Fala em mim apenas o raciocínio natural. Julgo-me no dover de falar e falo sem temôr da censura pública. E brado bem alto ao expôr a minha opinião acerca do defensor audaz de uma mulher que o rigor deshumano das perseguições familiares e sociais eleva, afinal, à condição de mártir, diminuindo-lhe a responsabilidade de culpada.
Tomou V. Ex.a conta desta defeza nas condições em que Jesus Cristo protegeu do furor da plebe uma frágil pecadora. Deve por isso merecer a corrente das públicas simpatias.
Uma causa destas não se julga hum só tribunal juridico. Tem que passar pelo tribunal das consciências cultas e humanitárias. Tem de ser julgada pelo juri de criterios leais, rectos e orientados por ideias afustadas dus léis antigas que conceberam uma moral social apoucando e martirisando mulheres. E ha sobre todos os tribunais e todos os juris um supremo jazz, que é o Coração .
É dentro dèle que a razão deve formular os seus quesitos. E como o coração de todos os homens é formado no seio de uma mãe, todas as mães e todas as mulheres devem manifestar-se neste julgamento, que complica com os seus sofrimentos de vítimas e com os seus direitos equivalentes de mulheres, de mães, de esposas e de contribuintes da sociedade, que progride ou decue consoante a posição que nela ocupa o sexo maternidade.
Seja, pois, o coração atormentado de tantas mulheres chamado a depôr nesta causa que o meu emocionado pensamento busca esclarecer. Desempenha V. Ex.a um papel valoroso, como defensor da mulher indefeza, e como altruista investido, pelas leis de um tribunal supremo constituído por Deus, desta missão humanista. Está portanto colocado num firme pedestal de vencedor. Deve-lhe ser favorável a maioria das opiniões públicas. Mas, se o não fosse, nós, as mulheres de consciência e de sentimento humanitário, apelariamos para a opinião dos grandes sociologos estrangeiros de capacidade mental e intelectual consagrada á defeza de causas e problemas como a que a competência causidica de V. Ex.a advoga.
Porque se ha neste nosso lindo Portugal tão clara luz no céo, luzindo em constelações astrais que derramam torrentes de claridade sobre o fertil torrão, ha nos espiritos uma triste obscuridade que teima em ofuscar a razão, ofuscando a alvorada da justiça que salva.
E é preciso que a Luz venha do mundo civilisado e que ilumine, que esclareça e liberte para sairmos de um limbo, de atribulações e tiranias semelhantes áquelas de que V. Ex.a é o esclarecido defensor.