"Tudo vai sem novidade"
Os interlocutores são um morgado do Alentejo, que estava a gozar os rendimentos em Lisboa e um criado lá da sua herdade de Alter do Chão. O morgado, que já há tempo não tinha carta da terra nem notícias de seus pais, encontrou, uma manhã, na Praça do Comércio, embasbacado a ver render a guarda, o seu criado.
— Olá! Tu por aqui, Tibúrcio?
— Ah! O meu patrão!
— Então vens a Lisboa e não me procuras? Não vens logo a minha casa?
— Ora essa!... Então não havia de lá ir?
— Pois sim, mas não foste.
— Ia já lá. . .
— Chegaste agora mesmo?
— Não, senhor; cheguei ontem e, desde que cheguei que estou para ir lá já . . .
— Então como está tudo por lá?
— Tudo bom, muito obrigado.
— Meu pai, minha mãe, a casa?
— Tudo bem, sem novidade.
— E o meu cavalo ruço... o Janota?
— Ah! É verdade; esqueci-me de dizer-lhe; esse é que não tem lá passado muito bem.
— Ah! Sim! O que tem ele? Está doente?
— Não, senhor.
— Ah! Meteste-me um susto! Um cavalo que me custou 50 libras!
— Não, senhor; não está doente. Morreu!
— Morreu?!
— Sim, senhor; mas o mais vai sem novidade.
— Morreu? Mas ele não estava doente... Morreu de algum desastre?
— Não, senhor.
— Qual desastre! — Então?
— Morreu no fogo, que houve lá na cocheira.
— Quê? Houve fogo na cocheira?
— Sim, senhor; ardeu toda, e o pobre Janota, que estava lá dentro, foi-se também, coitadinho!
— Mas como pegou fogo na cocheira?
— Pegou da casa.
— Da casa?!
— Sim, senhor; a casa ardeu toda.
— A minha casa ardeu toda?
— Sim, senhor; e, por mais que fizéssemos, não foi possível impedir que o fogo passasse à cocheira. Mas o mais vai sem novidade...
— Mas como foi que pegou fogo à casa?
— Foi uma tocha, que caiu do tocheiro.
— Uma tocha?
— Sim, senhor; caiu uma tocha em cima do pano do caixão e foi tudo pelos ares.
— Do caixão? Mas qual caixão?
— O caixão, onde estava a defunta.
— Qual defunta?
— A senhora sua mãe.
— Minha mãe? Pois minha mãe morreu?
— Morreu, sim senhor; mas o resto vai sem novidade.
— Mas de que morreu minha mãe?
— De desgosto, coitadinha!
— De desgosto de quê?
— Pela morte de seu pai.
— Então meu pai morreu também?
— Não, senhor; não morreu; matou-se.
— Matou-se?!
— Sim, senhor; enforcou-se. Mas o resto vai tudo sem novidade...
— Meu pai enforcou-se?!
— Sim, senhor. Quando lhe fizeram penhora a todas as fazendas e viu que estava arruinado, que estava a pedir esmola, foi a uma corda e zás! Mas o mais vai sem novidade, graças a Deus...