A Arthur de Oliveira, enfermo
A ARTHUR DE OLIVEIRA, Enfermo
Sabes tu de um poeta enorme
Que andar não usa
No chão, e cuja estranha musa,
Que nunca dorme,
Calça o pé, melindroso e leve,
Como uma pluma,
De folha e flôr, de sol e neve,
Crystal e espuma;
E mergulha, como Leandro,
A fórma rara
No Pó, no Sena, em Guanabara
E no Scamandro;
Ouve a Tupan e escuta a Momo,
Sem controversia,
E tanto ama o trabalho, como
Adora a inercia;
Ora do fuste, ora da ogiva,
Sair parece;
Ora o Deus do occidente esquece
Pelo deus Siva;
Gosta do estrepito infinito,
Gosta das longas
Solidões em que se ouve o grito
Das arapongas;
E, se ama o lepido besouro,
Que zumbe, zumbe,
E a mariposa que succumbe
Na flamma de ouro,
Vagalumes e borboletas,
Da côr da chamma,
Roxas, brancas, rajadas, pretas,
Não menos ama
Os hippopotamos tranquillos,
E os elephantes,
E mais os bufalos nadantes
E os crocodilos,
Como as girafas e as pantheras,
Onças, condores,
Toda a casta de bestas feras
E voadores.
Se não sabes quem elle seja
Trepa de um salto,
Azul acima, onde mais alto
A aguia negreja;
Onde morre o clamor iniquo
Dos violentos,
Onde não chega o riso obliquo
Dos fraudulentos;
Então, olha de cima posto
Para o oceano,
Verás n'um longo rosto humano
Teu proprio rosto.
E has de rir, não do riso antigo,
Potente e largo,
Riso de eterno moço amigo,
Mas de outro amargo,
Como o riso de um deus enfermo
Que se aborrece
Da divindade, e que apetece
Tambem um termo...